2. OBJEÇÕES CONTRA A AUTORIA DE
PEDRO
Alguns estudiosos têm certas objeções em
afirmar que Pedro é o autor desta primeira carta devido a algumas dificuldades
que negam este fato. Senão vejamos as
duas principais objeções:
a) Objeção histórica
Se Pedro fosse de fato o autor
dessa primeira carta, alegam os críticos, provavelmente ele teria incluído nela
relatos de sua vida pessoal, especialmente uma boa parte dos principais
momentos em que viveu ao lado de Jesus sendo discipulado durante os quase
quatro anos de seu ministério terreno.
Uma
segunda objeção histórica a autoria de Pedro é que os sofrimentos descritos
nesta primeira carta não têm a ver com o resultado da perseguição do imperador
Nero contra os cristãos, pois parece que ela se limitou apenas à cidade de Roma
não se espalhando para as províncias onde viviam os destinatários desta carta.
De acordo com essa perspectiva, esta carta não foi escrita durante o governo de
Nero, mas talvez no governo de Domiciano ou Trajano. Em vista disso, Pedro
então não pode ser o autor desta carta porque ele morreu na época em que Nero
estava no poder.
Todavia,
ainda é dito numa terceira objeção histórica que Pedro não poderia ter escrito
uma carta para as igrejas que Paulo já havia fundado nessas províncias – Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (1 Pe 1.1).
Réplica
à objeção histórica
Apesar de não haver nesta primeira carta
nenhum relato de fatos pessoais da vida de Pedro durante o tempo do seu
discipulado com Jesus, todavia, subtende-se que através de algumas passagens o
apóstolo demonstra
ter conhecido Jesus pessoalmente, além de ter um íntimo relacionamento de
amizade com ele (veja 1.8; 5.1-2; 2.21-24).
Quanto à segunda objeção histórica, são poucas as evidências que provam
que houve uma perseguição geral nas províncias romanas durante o governo de
Domiciano. Portanto, devido à escassez de informações precisas, seria melhor
rejeitarmos essa ideia, mesmo que Domiciano tenha sido um perseguidor
implacável dos cristãos. “Além disso, também são insuficientes as evidências
para provar que Trajano adotou e executou as medidas recém-declaradas contra os
cristãos”; 9 e se a perseguição de Nero
se estendeu pelas províncias de Roma. Se analisarmos atentamente o conteúdo
desta primeira carta, veremos que os destinatários são os cristãos da primeira
geração, e que não há um indício sequer apontando os cristãos da segunda geração
como os destinatários. Contudo, as evidências internas desta carta (que veremos
posteriormente) provam que Pedro a escreveu na época do governo de Nero.
A despeito de Paulo ter fundado igrejas em
todas as regiões do Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia é improvável. No
livro de Atos e nas cartas de Paulo, vemos descrito que o apóstolo evangelizou
não toda, mas uma parte da Ásia Menor. Não obstante, Paulo tinha o desejo e
tentou ir para a Bitínia com os seus companheiros evangelizar aquela região,
porém, o Espírito de Jesus o impediu de entrar na Ásia Menor, especificamente
na parte norte e oeste (At 16.6-7). Por fim, esta objeção histórica levantada
pelos críticos cai por terra “quando levamos em consideração a visita de Pedro
à igreja de Corinto – uma igreja fundada por Paulo (veja 1 Cor 1.12; 9.5)”.10
b) Objeção linguística
Os estudiosos que negam Pedro
como o autor desta primeira carta, afirmam com veemência que seria impossível
ele, como um pescador e
um homem simples que era e com
pouco estudo, escrever uma carta em grego tão excelente.
A base que estes estudiosos geralmente usam
para provar este argumento é At 4.13, onde os membros do sinédrio vendo o a
intrepidez e ousadia com que Pedro e João pregavam a Cristo, ficaram ainda mais
admirados quando souberam que eles eram homens iletrados e incultos. John Stott afirma com
propriedade que Pedro e João por serem iletrados, não significa que eram
analfabetos, mas que não haviam recebido treinamento adequado em teologia
rabínica, e incultos, significa que eram leigos ou sem conhecimentos
profissionais.11
Segundo Werner Kummel, um teólogo
alemão, a linguagem de 1 Pedro é vazada em um grego impecável que usa de vários
recursos retóricos: a ordem das palavras (1.23; 3.16), orações paralelas
(4.11), uma série de palavras compostas (1.4), etc..., além de várias citações
e alusões ao Antigo Testamento e com origem na Septuaginta. Em vista disso,
essa características são inconcebíveis para Pedro, o galileu.12
Nos
evangelhos, diz Kummel, é dito que Pedro, como era de se esperar, falava
aramaico (língua corrente na Palestina naquele tempo), e isso com um inconfundível
sotaque galileu (considerado meio “caipira” pelas pessoas mais finas e educadas
da Judéia). Poderia esse Pedro ser o mesmo que aqui está escrevendo uma carta
em bom e fluente grego, mostrando aqui e ali detalhes retóricos que indicam
alguém bastante capaz no uso dessa língua? Em vista disso, Kummel
conclui dizendo que não temos condições alguma de saber quem seria o autor
dessa carta, e provavelmente ele continuará anônimo.13
Réplica à objeção linguística
É bem provável que Pedro, como Galileu que
era, sabia desde a sua infância o grego Koiné, que era um segundo idioma
amplamente falado na Palestina além do aramaico, que era a sua língua de
origem. Depois que foi liberto da prisão pelo anjo do Senhor (At 12.1-17),
Pedro viajou para regiões onde o grego era a língua predominante, o que pode
ser uma evidência de que ele dominasse bem o idioma. Se observarmos atentamente
os sermões do apóstolo registrados no livro de Atos, iremos perceber que ele se
expressava bem; haja vista que Pedro, ao longo dos anos de seu apostolado se
aperfeiçoou e desenvolveu tanto o seu conhecimento das Escrituras (veja At 10.9-23, 45; 11.18) quanto de oratória
e escrita.
Pedro que, em Pentecostes, abrirá uma porta
para fé dos judeus, agora realiza o mesmo feito em relação
aos gentios (veja At 10.34-38).14 Foi
através dele que os gentios ouviram o evangelho pela primeira vez.15 Contudo,
Pedro informa aos seus leitores que escreveu sua carta com o auxilio de Silvano
ou Silas16, que foi o seu secretário ou amanuense (5.12)
assim como Tércio também auxiliou Paulo a escrever a carta aos Romanos sendo o
seu secretário ou amanuense (Rm 16.22).
3- EVIDÊNCIAS EXTERNAS DA AUTORIA DE PEDRO
Praticamente, há um consenso unânime
composto pela maioria esmagadora de eminentes teólogos, que o autor desta carta
é Pedro. Assim foi afirmado, indubitavelmente, já nos primórdios da história
pelos pais da igreja como Clemente de Roma, Policarpo, Irineu, Clemente de
Alexandria, Tertuliano, o historiador Eusébio e pelos reformadores.
Por volta do ano 95 d.C, Clemente de Roma
escreveu uma carta à igreja de Corinto denominada 1 Clemente. Nela encontramos
algumas semelhanças com 1 Pedro. Senão vejamos duas dessas semelhanças apenas:
Àqueles
chamados e santificados pela vontade de Deus por meio de nosso Senhor Jesus
Cristo. Graça e paz do Deus Todo Poderoso vos sejam multiplicadas em Jesus
Cristo.17 Compare
com (1.2).
Fixemos
nosso olhar no sangue de Cristo, e saibamos que é precioso ao seu Pai.18 Compare
com (1.19).
Na metade do segundo século, Policarpo
escreveu uma carta à igreja de Filipos com várias citações
extraídas de 1 Pedro. Senão vejamos uma das citações:
(Jesus Cristo) a quem, não havendo visto,
amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e
cheia de glória (1.3).19 Compare
com (1 Pe 1.8).
Apesar
de Policarpo não mencionar como fonte de composição de sua carta 1 Pedro, as
várias citações contidas nelas são de 1 Pedro.
No
final do segundo século, por volta do ano 185 d.C, Irineu cita 1 Pedro 1.8 como
também menciona a fonte da citação dizendo: “e Pedro diz em sua carta”.20 No
terceiro século, Clemente de Alexandria e Tertuliano citam 1 Pedro e também
mencionam o nome do apóstolo como fonte. O historiador Eusébio ressalta que por
volta do ano 125 d.C, um bispo na Ásia Menor chamado Papias “usou citações da
Primeira carta de João e também da carta de Pedro”.21 Em suma, todas
estas evidências externas apontam para a autenticidade de 1 Pedro considerada
pela igreja primitiva pós-apostólica.
4- EVIDÊNCIAS INTERNAS DA AUTORIA
DE PEDRO
Conforme
vimos anteriormente, logo de início, na saudação, Pedro se apresenta como o
autor desta primeira carta nestas palavras: Pedro,
apóstolo de Jesus Cristo (1.1a). Via de regra, o autor desta carta, que é
Pedro, também afirma com autoridade que foi testemunha ocular do sofrimento de
Jesus (5.1). Em contrapartida, na
segunda carta, há uma evidência imprescindível que confirma Pedro como o autor
desta primeira como também da segunda carta. O apóstolo declara no (3.1): Amados, esta é agora, a segunda epístola que vos escrevo; em ambas, procuro despertar
com lembranças a vossa mente esclarecida. ARA
Uma terceira evidência interna
são os notáveis paralelos entre os sermões de Pedro descritos no livro de Atos com
a síntese da sua primeira carta. Edmund Clowney salienta que a maior segurança
quanto à autenticidade de 1 Pedro vem da própria carta. Sua mensagem é
intimamente ligada aos discursos de Pedro, conforme registrados no livro de
Atos.22 Tanto as evidências externas quanto as evidências internas
corroboram a favor da autoria de Pedro.
9- Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e
Judas, pág 14.
10-
Ibid, pág 15.
11- John
Stott. A mensagem de Atos, pág 107-108.
12- Werner George Kummel. Introduction to the New
Testament, pág 297.
13- Ênio R. Muller citando Werner George
Kummel. 1 Pedro: Introdução e comentário,
pág 19-20.
14- F.F.
Bruce. Estudos do Cristianismo não Paulino. Pedro, Estevão Tiago e João, pág
18.
15- Ibid, pág 19.
16- Silas era um cidadão romano (At 16.37);
um profeta (15.32); um líder promissor na igreja (15.22) e foi um amigo e
cooperador de Paulo no ministério (15.40). Silas é mencionado por Paulo em
(2Cor 1.19; 1 Ts 1.1; 2Ts 1.1).
17- 1 Clemente. Saudação (LCL).
18- 1 Clemente. 7.4 (LCL).19- Citação da carta de Policarpo aos Filipenses: 1.3 – 1 Pe 1.8.
20- Irineu. Contra as Heresias 4.9.2. In The Apostolic Fathers, vol. 1 de The Ante Nicene Fathers, orgs. Alexander Roberts e James Donaldson (1885; Grand Rapids: Eerdmans, 1962), pág 472
21- Eusébio. História Eclesiástica (LCL).
22- Edmund Clowney. The menssage of 1 Peter, pág 20.
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