Perseguição Romana e Mártires Cristãos
As primeiras perseguições
aos cristãos partiram de autoridades judias na palestina. O primeiro mártir
registrado nas Escrituras foi o diácono Estevão (At 6 — 7), apedrejado por uma
multidão, possivelmente em 36 d.C. O próximo foi Tiago — filho de Zebedeu e um
dos doze apóstolos — morto por Herodes Agripa I em 44 (At 12). De acordo com
Josefo e Eusébio, Tiago, o irmão de Jesus e líder da igreja de Jerusalém foi
apedrejado como resultado da instigação do sumo sacerdote em 62, logo depois da
morte do governador Festo.
A expulsão dos judeus de
Roma ordenada por Cláudio e registrada por Suetônio pode ter sido resultado de
um tumulto causado por cristãos judeus que estavam pregando sobre Cristo nas
sinagogas. Nero queria fazer dos cristãos os bodes expiatórios do incêndio na
capital em 64 d.C. Suetônio declarou laconicamente: “O castigo foi infligido
sobre os cristãos, uma classe de homens dados a superstições maldosas”. A
descrição vívida feita por Tácito da brutalidade de Nero vem há séculos mexendo
com a imaginação:
Consequentemente, para
livrar-se da delação, Nero colocou a culpa e infligiu as mais terríveis
torturas sobre uma classe odiada por suas abominações, chamada pelo populacho
de cristãos. Christus, do qual o nome é originado, sofreu a pena capital
durante o reinado de Pôncio Pilatos... Além de sua morte, houve zombarias de
todo o tipo. Cobertos por peles de animais, eles foram rasgados por cães e
pereceram, ou pregados a cruzes, ou condenados pelo fogo e queimados, para
servir de iluminação noturna quando a luz do dia havia expirado. Nero ofereceu
seus jardins para o espetáculo. [1]
Uma fonte cristã mais
recente (Sulpício Severo) relata: “Naquele tempo, Paulo e Pedro foram
condenados a morte, sendo o primeiro decapitado com a espada enquanto Pedro
sofreu a crucificação”. Algumas tradições populares, porém, não tem fundamento
histórico. Uma delas é de que Pedro estava fugindo de Roma para evitar a
perseguição de Nero e encontrou Jesus na Via Ápia. Ele disse: “Aonde vais,
Senhor?” (Quo vadis domine?) Jesus respondeu: “Vou a Roma para ser
crucificado novamente”. Foi então que o apóstolo voltou à capital para
encontrar-se com seu destino. Uma outra lenda afirma que Pedro pediu para ser
crucificado de cabeça para baixo.
Eusébio indica que, por
volta do ano de 95, Domiciano baniu muitos cristãos de Roma, inclusive sua
sobrinha Flávia Domitila. Clemêncio, marido de Domitila e primo do imperador,
foi executado por “ateísmo”, que na época significava a conversão ao Judaísmo.
Só alguns séculos depois é que surgiu a idéia de que Clemêncio era cristão.
Outra evidência indireta de perseguição sob o governo desse imperador foi a
expulsão de João de Patmos (Ap 1.9) e alguns comentários em I Clemente.
A carta do governador
romano Plínio para Trajano (cerca de 112 d.C.) contém uma referência explícita
à perseguição. Ele pediu conselho ao imperador sobre se deveria tomar medidas
contra aqueles que eram acusados de serem cristãos, tendo em vista que ele
próprio não estava certo se “o simples nome de cristão” era uma ofensa punível.
Em todos os casos, ele acreditava que a “teimosia e obstinação inabalável”
desse povo deveriam ser punidas. Ele também relatou que havia usado de tortura
para interrogar “duas escravas, que eles chamam de diaconisas”, para saber mais
sobre as práticas cristãs.
Por algum motivo
desconhecido, Inácio, bispo de Antioquia, foi para Roma durante o reinado de
Trajano e lá sofreu o martírio. Seu amigo próximo, Policarpo, mais tarde também
foi martirizado em Esmirna depois de recusar-se a negar a Cristo com estas
memoráveis palavras: “Oitenta e seis anos eu O servi e Ele não me fez mal
algum. Como posso, então, blasfemar contra meu Rei que me salvou?”
A base legal para a
perseguição dos cristãos ainda é assunto de debate entre os estudiosos. Em
várias ocasiões eles foram acusados de “traição”, “crimes”, “atos vergonhosos”
e “obstinação”. O preconceito e a falta de compreensão alimentavam vários
rumores populares. Os cristãos que se recusavam a tomar parte nas cerimônias e
atividades pagãs eram suspeitos de serem desleais e anti-sociais. Por tratarem
uns aos outros como “irmãos” e “irmãs” e encontrarem-se em segredo, eram
acusados de imoralidade. Referências feitas na Ceia do Senhor sobre comer o
corpo e beber do sangue de Cristo davam origem a suspeitas de
canibalismo.
Justino Mártir foi morto
durante o governo do imperador estóico Marco Aurélio, enquanto o heroísmo dos
mártires em Viena e Lião no sudeste da Gália (França) em 177 d.C. é um dos
grandes episódios da história do Cristianismo. Eusébio descreve como quarenta e
oito cristãos foram mortos nos anfiteatros, incluindo a escrava Blandina que
foi chifrada por um touro, diante de multidões pagãs sedentas de sangue. Marco
Aurélio desdenhosamente chamou esses mártires de tolos obstinados.
Seu filho Cômodo era um
imperador farrista que se divertia com jogos de gladiadores e deixou os
cristãos em paz. Porém, uma dúzia deles foi executada pelo governador da Sília
no norte da África em 180 d.C. e muitos cristãos foram mortos na província da
Ásia. É possível que estes últimos fossem montanistas tendo em vista que esse
grupo tinha um zelo especial em procurar o martírio. Em 202, cinco foram mortos
em Cartago, sendo as mais conhecidas dentre eles Perpétua — uma mãe que ainda
amamentava — e sua escrava Felícitas. O diário de Perpétua, que registrou as
visões que Deus enviou para encorajá-la, era especialmente apreciado entre os
montanistas, tendo em vista que enfatizavam a importância de revelações diretas
pelo Espírito Santo.
Leônidas, pai do
conhecido estudioso Orígenes, foi morto em Alexandria em 202. O filho desejava
muito juntar-se ao pai, mas sua mãe frustrou a tentativa ao esconder suas roupas.
Mais tarde, em 206, oito dos alunos de Orígenes foram mortos. Em 211 um soldado
cristão foi executado ao recusar-se a usar uma coroa de louros por estar
associada ao paganismo. Tertuliano, que elogiou o exemplo desse mártir militar,
desencorajou os cristãos a servirem no exército já que isso poderia levá-los a
ter que aceitar práticas pagãs.
A primeira tentativa
sistemática de eliminar o Cristianismo por todo o império ocorreu em 250 sob o
governo de Décio, um dos efêmeros “Imperadores de Quartel”. Ele exigiu que
todos fizessem oferendas em honra a ele próprio e proferissem juramentos pela
fortuna dele como demonstração de sua lealdade. As pessoas tinham que obter um
libelo, um documento que atestava que haviam feito um sacrifício. Aqueles que se
recusassem a participar desse ritual civil e religioso encaravam duras
conseqüências. Vários bispos foram executados, inclusive Fabiano de Roma,
Alexandre de Jerusalém e Bábilos de Antioquia. Outro foram encarcerados, como
Dionísio de Alexandria; Orígenes morreu depois de ser submetido a tortura em
251. Durante essa época, literalmente centenas de pessoas foram martirizadas
por causa de sua fé.
Cipriano, bispo de
Cartago, descreve em seus escritos os problemas gerados pelas perseguições.
Para seu desespero, amedrontada, a maioria dos cristãos abandonava a fé e
oferecia sacrifícios para se proteger. O próprio Cipriano se escondeu e
justificou esse ato referindo-se ao conselho de Jesus para fugir (Mt 10.23).
Alguns cediam ao comprar libelos sem ter na verdade feito os sacrifícios.
Depois do falecimento de
Décio, os líderes da Igreja assumiram posições diferentes em relação àqueles
que fraquejavam. Novaciano um antipapa de Roma, adotou a postura mais rigorosa
e excluiu todos aqueles que haviam negado a fé. Porém, Cipriano e Cornélio, os
bispos de Roma concordaram em aceitar de volta à comunhão aqueles que haviam
comprado libelos depois da devida demonstração de arrependimento, enquanto
aqueles que haviam de fato realizado sacrifícios só seriam readmitidos em seu
leito de morte.
Alguns anos mais tarde,
Valeriano redigiu uma série de éditos voltados para os líderes da Igreja. Esses
éditos exilavam bispos, proibiam todos os encontros de cristãos e legalizavam a
demissão de servos cristãos da casa imperial, sendo estes banidos para
trabalhar em propriedades imperiais. Um dos resultados foi a execução dos
bispos Cipriano e Sisto II de Roma.
A perseguição final
ocorreu sob o governo de Diocleciano, o último grande imperador pagão antes de
Constantino. Diocleciano e seu assistente Galério ofenderam-se com cristãos que
fizeram o sinal da cruz justamente quando sacerdotes pagãos procuravam prever o
futuro ao olhar as entranhas de animais sacrificados. Assim, ele lançou quatro
éditos, cada um mais severo que o anterior. De acordo com Eusébio, “uma carta
imperial foi promulgada por toda a parte, ordenando a destruição das igrejas e
a queima das Escrituras”. 2 Aqueles que distribuíam as Escrituras ou outros
objetos sagrados eram conhecidos como traditores (traidores). Líderes da
Igreja foram presos e pressionados a fazer sacrifícios para o imperador.
Somente na cidade de Nicomédia, duzentos e sessenta e oito cristãos foram
executados. Um segundo édito ordenava a prisão do alto clero enquanto um
terceiro édito lhes oferecia a anistia caso eles fizessem sacrifícios. O quarto
ordenava todos os cristãos a fazerem sacrifícios ou enfrentar a pena de morte
ou trabalho forçado.
A perseguição cessou
quando Diocleciano se aposentou em 305. Galério admitiu que essa política havia
fracassado e lançou um édito de tolerância em 311, enquanto sofria de uma
terrível doença que certos membros da Igreja da época interpretaram como sendo
castigo divino. Dois anos mais tarde, Constantino deu fim a era de perseguição
com um decreto: “Nosso propósito é dar tanto aos cristãos como a todos os
outros a autoridade de seguir qualquer tipo de adoração que cada um deseje”.
NOTA:
[1] - Tático, Anais 15.44
Fonte:
Livro: Dois Reinos
Autores: Robert G. Clouse, Richard V. Pierard, Edwin M. Yamauchi.
Editora: CEP
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